O TEMPO É "TEU" AMIGO



“A música sabe a whisky” A.M.R. – Ébrios (pela vida)



Já passaram trinta anos, e ainda parece que foi ontem que os ouvi pela primeira vez. Passaram tão depressa. Como os cavalos. Nem um casamento consegue sobreviver durante tantos anos sem que a paixão esmoreça.
Eternamente apaixonado. Esse é o meu sentimento pelos UHF, melhor, pelo único elemento que se mantém firme na banda desde o primeiro minuto: António Manuel Ribeiro.
Portugal reconheceu-o quando o Luís Filipe Barros largou os cavalos para uma corrida desenfreada. Eu, apesar da minha tenra idade, tive acesso a eles no ano anterior. Tinha doze anos e passeava sozinho pela Feira de Vila Franca, quando numa barraca de venda de discos deparei com um EP que mostrava na capa um atractivo boneco de microfone na mão, fazendo-me lembrar muito de repente Frank Zappa que eu já conhecia por influências familiares. Surpreendente contudo era o título do disco: "Hello Rock Portugal-1". Agarrei-o e virei-o para espreitar o que continha. “Ribeira” dos Jáfu’mega era a primeira do Lado A – “A ponte é uma passagem p’ra outra margem”. Estava comprado. No lado B tinha Ananga-Ranga que eu também já tinha escutado no “Rock em Stock” do FM Estéreo da Comercial. Foi de caras, não sei como, naquele tempo, mas tinha cem escudos no bolso para me divertir nos carrinhos de choque e nos carrosséis. Ficaram logo ali naquela barraca e não chorei por isso. Menos me arrependi quando morto de excitação e ansiedade me debrucei sobre o meu velho gira-discos ao chegar a casa e coloquei o braço da agulha em cima do disco.
Tudo bem. Até à quarta faixa, apenas os portuenses do ainda muito jovem Luís Portugal, que eu viria a conhecer pessoalmente uns anos mais tarde quando lançou o “Dinis dos Botões”. Mais extasiado fiquei quando comecei a ouvir os acordes iniciais do tema que encerrava aquele lado do disco. A música era soberba, o poema triste e duro ao mesmo tempo…e aquela voz entoando “Jorge Morreu” haveria de sobreviver ao longo dos próximos trinta anos (serão mais certamente!) como uma das que mais me diria no seio da música portuguesa.
Meses depois, quando o país já se dedicava à entoação insistente de “Chico Fininho”, ainda eu procurava decifrar minuciosamente as letras de “Aquela Maria” e de “A Caçada” (nunca uma música tão rápida, com apenas minuto e meio, me tinha sabido tão bem). Ainda hoje, trinta anos depois, guardo, preservo e toco aquela colectânea sempre que me apetece.
Depois, por aí em diante, a estreia de um álbum completo chamado “À Flor da Pele” com um alucinante “Rapaz Caleidoscópio” e um espectacular “Ébrios (pela vida)” que me levou por arrastão à descoberta dos então já extintos The Doors. O povo divertia-se com “Rua do Carmo”. Talvez deva um pouco(!) ao António Manuel Ribeiro o facto do meu primeiro livro ter sido “As Portas ou a morte de um mito”. Um dia explico-lhe isso pessoalmente.
Em 1982, uma situação ocorrida na Feira Popular de Lisboa, no decorrer do aniversário do Programa “Meia de Rock”, de Rui Pego, à altura na Rádio Renascença, torna o António Manuel Ribeiro no meu maior ídolo da altura. Os UHF eram cabeças de cartaz naquela noite. A primeira parte foi preenchida por um arrojado artista português, demasiado “à frente” neste Portugal ainda muito amarrado à tacanhez de um passado encerrado para o Mundo: António Variações. Que me lembre, nunca até aos meus quinze anos tinha sentido vergonha de ser português. Variações foi tão mal tratado! Chamaram-lhe tudo, atiraram-lhe tudo quanto tinham à mão. Chegaram mesmo (público malcriado!) a interromper-lhe a actuação prematuramente. Quase chorei de vergonha naqueles momentos. Acabei mesmo por chorar, mas de alegria, minutos depois, quando António Manuel Ribeiro, que se preparava para ali apresentar o mini-LP “Estou de Passagem” (brilhante!) subiu ao palco, e mesmo antes de arrancar para a sua actuação, disse das boas a toda aquela gente. O “jim morrison português” revelava-se para mim também naquele momento um homem culto e lúcido.
Os anos foram passando, rápidos demais. Toquei até aos dias de hoje nas rádios por onde andei muitas músicas dos UHF. Seria inevitável pelo meio dos percursos não ter conhecido o meu ídolo dos tempos de juventude. Partilhámos alguns espectáculos, estúdios de rádio, e, curiosamente, a mesma editora de livros – Garrido Editores (actualmente, Sete Caminhos) – quando lancei “As Portas ou a morte de um mito”.
Serve tudo isto apenas para dizer que apesar dos trinta anos de carreira, ainda fico feliz por ouvir os UHF, como sucedeu recentemente mal ouvi pela primeira vez o último trabalho.
Por fim, este texto pode não dizer nada a muita gente que o leia, mas o António Manuel Ribeiro merece estas palavras de um fã.

Obrigado, António Manuel Ribeiro, por partilhares a minha vida com as tuas PALAVRAS.

Velhos amigos
No pensamento
Caindo ao ritmo
Do contratempo.

Palavras certas
Lâminas finas
Garganta aberta
Fogo nas tripas.

O berço da loucura.

Corpos felinos
Dias azedos
Vícios e vinho
Por entre os dedos.

Musa esquecida
No meu lençol
Dias sem brilho
Olhos sem Sol.

O berço da loucura.

Armas a história
O fogo intenso
Esticando a corda
Espalhando o medo.

Andas à solta
No meu juízo
Espetando fundo
No meu abrigo.

O berço da loucura.

Talvez eu faça coisas erradas
Mas o que deixas é quase nada
Silêncio turvo que não me agrada.