CÉU NUBLADO

Nada tenho contra a senhora.
Porque haveria?
O texto foi-me indicado por uma pessoa amiga
que salientou apenas o facto de o título ser muito parecido com o do meu livro “Céu Negro”.
Ora bem, li-o (ao texto), e gostei imenso.
Não foi a primeira vez que li algo da Margarida Rebelo Pinto,
mas foi a primeira vez que gostei de a ler.

Partilho assim, hoje, com quem me lê, o “Céu Nublado” da M.R.P.,
não sem antes alertar para a importância de pôr a tocar a música seleccionada para acompanhar a leitura.
E acenda a cigarrilha.
E sirva-se de mais um uísque.
Agora, sim.



Talvez o maior encanto do sexo seja o de nos fazer voar. O que também pode ser o seu maior perigo. Quando o sexo é visto como uma tentação porque é praticado fora de um casamento ou de uma relação estável, todos os contornos que o rodeiam contribuem para o tornar ainda mais apetecível: o secretismo, a adrenalina, aquela sensação de vertigem de se saber que se está a pisar o risco, o medo de pensar que aquela pode ser a última vez, tudo empola o momento que ganha laivos de cena cinematográfica e transforma tardes e noites em momentos inesquecíveis.
Do ponto de vista criativo, não há melhor para dar corda às musas e desatar a escrever, a pintar, a compor. Funciona como um choque de vitaminas; apura os sentidos e a sensibilidade, a memória encarrega-se de trazer a lume as melhores recordações e entramos numa nuvem.
O Kavafis diz que ninguém entra duas vezes na mesma nuvem, mas não diz até quando nos cansamos de entrar e sair de várias nuvens. Existem pessoas que passam pela vida assim, a entrar e a sair de nuvens amorosas, com todo o cansaço que daí advém. São os viciados no amor romântico, aquele tipo de amor celebrado na literatura que tem de ser sempre quase impossível, com muita espera, abnegação e sofrimento pelo caminho que é sempre árduo e repleto de perigos e que acaba quase sempre mal. Romeu e Julieta escolheram a morte, Inês foi assassinada, Penélope ficou pendurada 20 anos, e todas estas belas histórias contribuíram para criar o estigma da heroína romântica e abnegada que se prostra à varanda do castelo como uma condenada à espera do seu amado que nunca mais chega, ou chega meio morto, velho e cansado.
O preço a pagar por estes momentos inesquecíveis é alto e é sempre mais alto do que uma pessoa imagina. No calor do momento tudo parece fácil, mas depois tudo se complica.
Já pensei que para os homens fosse mais simples, graças à capacidade inata que possuem em compartimentar a sua vida, mas isso só se aplica quando os sentimentos envolvidos não são profundos, quando ainda não saíram da cama e já estão a pensar em dar o nó da gravata. E nem sempre é assim. As mulheres que pensam que os homens também não ficam alterados com este tipo de coisas esquecem-se de que eles são iguais a nós, carne e alma, desejo e remorso, cabeça e coração, sonho e vontade.
É muito mais fácil fazer o papel do Capuchinho Vermelho e dizer que o homem é o Lobo Mau. Não esqueçamos que a menina Capuchinho foi altamente recomendada pela sua mãe para seguir pela estrada, só se enfiou pelos caminhos da floresta porque quis, tendo agido por isso por sua conta e risco.
Quem quiser arriscar entrar na nuvem tem de se preparar para viver sob céu nublado depois de descer à terra. É aconselhável um guarda-chuva, muita paciência, e já agora uma escada de bombeiros para não cair das nuvens literalmente aos trambolhões. É que o sexo faz-nos voar, mas não temos as asas do Ícaro. E ainda que tivéssemos, também ele as queimou.