O GOSTO PELA VIDA


Para além de gostar de ver o FC Porto "levar" 4...
existem outras coisas que prefiro abordar quando quero falar d'O Gosto Pela Vida.



A perda do gosto de viver na nossa sociedade civilizada é, em grande parte, devida a restrições da liberdade que são essenciais à nossa concepção de vida. O selvagem caça quando tem fome, e ao agir assim obedece a um impulso directo. O homem que vai todas as manhãs, à mesma hora, para o seu trabalho, obedece fundamentalmente ao mesmo impulso, à necessidade de ganhar a vida, mas, no seu caso, o impulso não opera directamente nem no momento em que o sente: opera indirectamente, através de abstracções, de crenças e de vontade. No momento em que o homem se põe a caminhar para o seu trabalho não sente fome, pois acabou justamente de tomar o seu pequeno-almoço. Sabe simplesmente que voltará a ter fome e que o seu trabalho é um meio de satisfazer essa fome futura. Os impulsos são irregulares, ao passo que os hábitos, numa sociedade civilizada, devem ser regulares. Entre os selvagens, mesmo as empresas colectivas, quando existem, são espontâneas e impulsivas. Quando a tribo vai para a guerra, o tam-tam desperta o ardor militar e a emoção colectiva inspira cada indivíduo à actividade necessária. As modernas empresas não podem ser conduzidas da mesma forma. Se um comboio tem de seguir viagem a uma hora fixa, é impossível inspirar os carregadores, o maquinista e o homem que dá o sinal da partida por meio de música bárbara. Cada um deve cumprir a sua tarefa simplesmente porque deve ser feita; a sua razão de agir é, por assim dizer, indirecta: eles não sentem nenhum impulso por essa actividade, executam-na somente por causa da recompensa. Muitas coisas na vida social apresentam o mesmo defeito. Há pessoas que conversam com outras não pelo simples desejo de o fazerem mas na esperança de tirarem algum benefício dessa cooperação.
A cada momento da sua vida o homem civilizado depara com restrições aos seus impulsos: se acontece sentir-se alegre, não pode cantar e dançar na rua, e se se sente triste, não pode sentar-se na beira do passeio e chorar as suas amarguras, com medo de obstruir o trânsito. Na juventude, a sua liberdade é restringida pelos estudos, na vida adulta é completamente restringida pelas horas de trabalho. Tudo isto torna o gosto de viver ainda mais difícil de conservar, pois essas restrições contínuas têm tendência para produzir fadiga e aborrecimento. Contudo, uma sociedade civilizada é impossível sem consideráveis limitações aos impulsos espontâneos, pois os impulsos espontâneos só podem produzir as formas mais simples de cooperação social e não as formas mais complexas que a organização exige. Para vencer tais obstáculos e sentir gosto pela vida, o homem precisa de ter saúde e muita energia ou então, se tiver sorte, um trabalho que lhe proporcione verdadeiro prazer.