O VENDEDOR DE PASSADOS



Começo esta semana a citar um escritor, de quem tenho tido o privilégio de ser amigo, e companheiro de luta no éter nos últimos anos, - José Eduardo Agualusa.
Podia pegar em outros livros da sua já considerável obra, mas fico-me por aquela que maiores emoções me provocou até hoje, “O Vendedor de Passados”.
Para os que nunca leram Agualusa, penso que as breves palavras que a seguir transcrevo motivarão o leitor a procurá-lo nas livrarias. O extraordinário romance “O Vendedor de Passados” (Prémio Independent - Ficção Estrangeira) é também (ou principalmente) uma reflexão sobre a construção da memória e os seus equívocos.
E é tão bom!



«A realidade é dolorosa e imperfeita», dizia-me, «é essa a sua natureza e por isso a distinguimos dos sonhos. Quando algo nos parece muito belo pensamos que só pode ser um sonho e então beliscamo-nos para termos a certeza de que não estamos a sonhar – se doer é porque não estamos a sonhar. A realidade fere, mesmo quando, por instantes, nos parece um sonho. Nos livros está tudo o que existe, muitas vezes em cores mais autênticas, e sem a dor verídica de tudo o que realmente existe. Entre a vida e os livros, meu filho, escolhe os livros.»
A minha mãe! A partir de agora direi apenas, A Mãe.
Imaginem um rapaz correndo de mota numa estrada secundária. O vento bate-lhe no rosto. O rapaz fecha os olhos e abre os braços, como nos filmes, sentindo-se vivo e em plena comunhão com o universo. Não vê o camião irromper do cruzamento. Morre feliz. A felicidade é quase sempre uma irresponsabilidade. Somos felizes durante os breves instantes em que fechamos os olhos.