FIM-DE-SEMANA ACÚSTICO

Elaborar um Programa de Rádio, ao contrário do que possa parecer, quer ao ouvinte, quer mesmo a alguns profissionais do éter (os amigos do “chapa 4”), não é uma tarefa simples. Se queremos, obviamente, que no seu decorrer, ele vá provocando emoções a quem o escuta.
Não me reporto, obviamente, às rádios modernas (americanices da década de 60 do século passado, mas que por cá ainda é moda!), que nos remetem para uma escuta fria, desprendida, desligada, pouco interessante, sem alma, em resultado da música “a metro” que nos vai sobrecarregando o espírito, e as palavras metricamente repetitivas que nos enchem os ouvidos (e o saco!) com…nada.
Refiro-me a um Programa de Rádio meticulosamente preparado, com tempo, com palavras e (imagine-se!) com música que se relaciona com o que é dito e não a outra que nos é imposta por um qualquer fazedor de êxitos comerciais (supra-sumo, conhecedor, ou imaginador do que devem as pessoas assimilar através da sua engenhosa “PlayList”).
Assim, o post que deixo para este fim-de-semana, não é mais que uma tentativa ousada, se me permitem, de uma espécie de Programa de Rádio, que para ser escutado na íntegra irá fazê-lo perder algum tempo. Os que gostam de ler e, sobretudo, os que gostam de música, não darão o tempo por perdido. O tempo, esse, aqui também é muito relativo, já que dependerá de cada um a gestão da audição de cada música que compõe este post. A qualquer altura poderão sempre fazer Stop à música respectiva e Play na seguinte para não perder muito tempo. Seja como for, a selecção que aqui vos deixo foi programada com o máximo de cuidado. Para dar brilho maior à música, a ela juntei as palavras de um poeta que muito admiro pela sua escrita ousada e arrojada – Eduardo White.
Que tenham um bom fim-de-semana acústico!










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Tu que adormeces as órbitas, a forma primaveril e tolerante do amor, tu que és onde as estrelas são lentas, as flores acordadas, o poema em toda a parte e o sangue e o centro constelar da minha própria casa, tu que és uma mulher e explodes pela beleza de ser isso, o cristal iluminado de algum rosto swahili, tu a quem a fundo gravita o açúcar nas furnas da pele, tu que és uma lua e um relâmpago e o corpo arrancado de alguns versos calados, tu que floresces pelos cabelos e és argila e és Sol e a ave suspensa em sua perícia, tu que trovejas em movimento e és nocturna e eminente, tu que és bálsamo ou vinho e a canábeis do fogo e do corpo, as vértebras da frescura, a imagem do sagrado, tu que és um felino fugaz e que não se engana sobre a harmonia de uma savana, quero dizer-te que estou chegado, e trago as veias e a boca informuladas, umas guelras para que dentro do teu ventre eu respire, não do modo altíssimo e belo como o trazes deitado, mas no amor tecedeiro, na aranha intensa e doméstica que és, na rosa inominável e acordada que pelo seu perfume exala a demência toda de amar-te que eu sou.









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Eu quero uma alma para ti que seja de outra ciência e tenha por corpo o corpo que eu queria. Quero uma alma onde possa descansar a minha, que consinta demorar-me no brilho estranho que só as janelas têm e onde igualmente possa chorar a minha trágica fatalidade de poeta. Quero uma alma azul para ti e um país com ruas também, com homens e mulheres bonitas, com bêbedos e prostitutas, com operários pela manhã vociferando pelas ruas e pescadores pescando por dentro do sono dos funcionários públicos, e uma criança que surpreenda com inocência a inocência de quem ama o nú e o belo, o mágico e o leve corpo feminino e que doa com os rios e os silêncios dessa constatação. Eu queria isso para ti, meu amor, na mais vermelha e brusca rouquidão desta minha magra e explosiva garganta, porque eu deixo para ti o que me faz feliz, o que me deixa ter, por vezes, uma canção dentro da boca ou uns olhos que ainda encantem a água perfumada do nu tão discreto que é uma mulher acesa em si mesma, ou então aquela tarde que todos os dias te prepara, como os navios anasalados pelos portos da chegada, para a terna, grande e explosiva canção do amor.









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Eu amo-te devagar, como profunda e iluminadamente amo todo este destino, porque cedo me deram a poesia, essa voz cândida, funda, pela qual empobreço escrevendo versos. Ninguém agora me perdoa tamanha loucura e dela é tarde para que me liberte e é por isso que conto estrelas e falo sozinho pelas ruas e penso bastante. Sou um faquir todos os dias sobre as lâminas perfurantes dessa realidade e os meus pés andam, no entanto, admiravelmente sobre elas e a carne arde pelas suas chagas fundas, sofre embatente contra os ossos, contra os urros, contra a verdade esgotante da poesia. Digo-te no plural e canto-te com a mesma ternura de quem deita um filho para que sonhe talvez, ou aprenda, e estou e avesso nos versos dos meus poetas preferidos, na subversão que me falam e são. Olhos meus, vertiginosos e preciosíssimos, aqueles, os teus, com panos nas asas e luzes e que por dentro me passam tilintantes. Minha taça secreta, meu cio e minha sedução que pangaios tens nos lábios, com colares e especiarias, que possam levar-me, inenarrável, aos mares que emprestas a estas mãos.

Sou ao Norte a minha ilha, os sinais e as sedas que ali se trocaram e nessa beleza busco-te e para mim algum percurso, alguma linguagem submarina e pulsional, busco-te por entre as negras enroladas em suas capulanas arrepiadas, altas, magras, frágeis e belas como as missangas e vejo-te pelos seus absurdos olhos azuis. Que viagens eu viajo, meu amor, para tocar-te esses búzios, essas peixes vulneráveis que são as tuas mãos e também como me sonho de turbantes e filigranas e uma navalha que arredondada já não mata, e minhas oferendas de Java ouros e frutos incensos e volúpia.
Quero chegar à tua praia diáfano como um deus, com a música rude e nua do corno de uma palave, um séquito ajawa, um curandeiro macua, uma mulher que dance uma Índia tão distante, e um monge birmanês, clandestino no tempo, que sobre nós se sente e pense. Amo-te sem recusas e o meu amor é esta fortaleza, esta Ilha encantada, estas memórias sobre as paredes e ninguém sabe deste pangaio que a Norte e na Ilha traz um amante inconfortado. Em tudo habita ainda a tua imagem, o m’siro purificado da tua beleza e das tuas sedes, a rosa dos ventos, o sextante dos tempos, em tudo acordas de repente como se ardesses naus, garças, águas, ouros, pratas, vagas, escravos ausentes, tudo o que esta Ilha que sou ao Norte, nos pode lembrar. Deito-me, assim, sobre o Sol com a praia funda em meu pensamento.









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Minha flor obscura e inicial, eu movo por ti as palavras para dentro do poema, as imagens que desenham as minhas mãos enevoadas e elas são dentro uma rara delicadeza, uma safira pura, são o sangue e as tripas do poema, matéria profunda, vulcânica e natural. Não sei que mistérios são estes em que as transformas. E as mãos? As mãos são estranhas assim, fechadas e inclinadas, ocupadas na pressa com que se movem para a criação. E por toda a parte eu as vejo, meu amor, libertadas e fugidas, caladas, ágeis e súbitas tocando a concreta forma das suas músicas. Harpas decifráveis, bússolas, viajam o mapa da poesia e nem param mesmo que gritem os dedos das pequenas dores suas. Para ti estas mãos trabalham de algum modo todas as aventuras e tão únicas, amor, que parece, até, que do côncavo delas alguma luz as ilumina de frescura. Estas mãos são azuis e surgem das nuvens e vêm do silêncio parado das alturas escrever-te na fraterna brancura deste papel. Por vezes levantam-se, como se fossem duas esbeltas gazelas e espreitam qualquer coisa distante pelo horizonte raso que vislumbram. Por ti amam-se estas mãos e dizem linguagens que não ouso escutar, dançam pelas minúsculas palavras que modulam e as nossas tornam mais nuas, mais vivas, mais puras.








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És uma guitarra na casa do amor, a música que a impregna e a regenera, és um instante de uma vela ao ritmo do que ainda não é o silêncio, o miolo dos templos, o falar inaudível dos deuses, és uma pedra quase inane, terrena e solar, ilha móvel e desperta, furtiva e lunar, ó meu clarão imprevisível no céu dinâmico do poema, és a redonda residência do mundo, a lavra vermelha sobre o fundo, o bicho da seda, a carne de bambu, és aquela hora para descansar-me do homem e a cama para o amar, minha abelha zumbante pelo pólen da carícia, agora que eu te canto eu procuro uma mulher que sejas tu, pelo ossos e raízes, a Roma do mar, o navio das tuas ancas, a canção dos negreiros, onde estás que por toda a parte eu procuro-te minha leveza vegetal, minha indefinida sede, por toda a parte clamo esse instante reencontrado do teu nome, água harmoniosa, gazela nupcial, essa frondosa árvore do malambe, tronco e matéria, rainha do Sara tu a quem se habita apenas com sombra e espuma, responde que eu encontro-te.









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Sobre a minha tempero a canela da tua língua e da tua boca, minha iguaria de Malta, a saliva fresca que reluz em teus lábios, a sura dos dentes, sorris e não sabes que esse álcool vicia no mais interior de mim mesmo, serpenteia a visão real que já é pouca e tenho das coisas, és os materiais do amor, a forja que os coze, naquela fagulha crepitante num ápice de tempo, eu vivo e mal respiro todo esse poema intenso, o grande espectáculo estonteante das curvas do teu corpo, os Himalaias sonolentas dos teus seios, rejuvenesço. Se há sol no sangue então eu quero-o flamejante, quero-o por sobre a amêndoa do teu ventre, por entre o vento que ali se arqueia, os seus afluentes, quero, também, um tecido verde das Amazónias, a nudez abrupta de um índio, um pássaro que cante de insónias, mas onde és tu que eu não sei, a tua carne negra, onde és tu que eu estou morrendo, estou morrendo de sede, as tuas margens líquidas, a baba pré-natal do renascimento. Amor eu amo-te «com nervos e dentes» como canta o Caetano e do mundo é de ti que tenho a percepção mais pura, uma pedra polida no sentimento, uma delícia lisa, o pequeno choupo onde me sento e onde por ti me converto.









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Sinto-te como a América desperta nos poemas de Neruda, como essa Espanha «Todas as Tardes em Granada» nos versos de Lorca, sinto-te como o musgo verde e sem medo pelas paredes de Atenas nas canções de Palamás, ó minha música machope cujo encanto na se traduz, eu nevo sobre nós essa pungente natureza de África, esse luzir irradiante dos seus rios, a magia incomparável dos seus tambores, ó minha rã num haikai de Bashô, minha grafia etérea do Japão, eu sei que ouves estas súplicas, eu sei que sabes como levanto a saudade na tua língua polar, meu iglô em Agosto sob o tórrido sol das arábias, minha orquídea maruja no canal do Panamá, estás tão perto e o amor já nem amarga, altiva e singular como são os diademas, e a minha alma espera-te como uma ilha deserta, ou se quiseres, com as trilhas sonantes das ruas das Garaíbas, eu sou um poeta obstinado por uma canção de amor, uma torcida acesa, brilhante, na solitária indiferença das águas de Veneza, se agora viesses dentro da luz e como um anjo anunciasses um vaticínio indiscernível eu tocava a água, o límpido sabor da sua natureza e como um guerreiro cansado dormiria apertado em teus pés.









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Se tudo o que te falei, o amor, já não espera. Não quer que tardes. Posso vê-lo pela saliva que amadurece em teus lábios e que te arrefece a carne.
Em mim sinto um terramoto profundo, uma máquina a escavar a matéria. As veias dilatam-se. São um facto. Uma dura estrutura. Agarro-me à luz para tentar gritar-te. Mas a língua está seca e a voz desintegra-se-me. Quero entrar-te. Redondo e polido como o mundo. Ouvir-te a terra, o verão que para aí se inclina, o movimento dos músculos. Chega-te a mim. Quase te peço. Traz-me a pele que reluzes como o vidro, o corpo que abres. Risca um gesto sobre a minha sombra, risca nela uma explosão que me soubesse ao que tu sabes. Alguma bebida forte, qualquer coisa que me embriagasse. Choves. Que ideia tão vigorosa me ocorreu com isso: Descer ao frio que espera pelas paredes febris do teu corpo. Aos brônquios do cio.









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A espera é decerto uma coisa que dói. E tu sabes brincar com ela como ninguém. Construir todo o desejo com que me movo pelas paredes. Pões-me louco, envolto às aranhas incrustadas em meus dedos, às sombras que sei serem deles e que nem porventura as toco. Ovelho-me e piso-me, urro como um louco. Por que te passeias assim por meus olhos, por que pastoreias em mim toda essa juventude?








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Sabes, vejo-te arder pelo púbis, subtil e azul como a luz e tem um timbre diferente essa parte do teu corpo, uma clave inocente, fervorosamente estrelar, uma espécie de música que se move como o cintilar de uma efervescência, glacial, cristalina. É tão verdadeiro esse sítio, esse ofício dos arbustos e dos rios. És o destino de meus lábios, da minha boca toda, gretada, seca, só não sei porque demoras, por que razão cumprirás isso com tanta minúcia. Perturbas-me. Parte por parte. A vagarosa, que tu acendes, e a velocíssima que eu agravo.
Nem ouves o que digo por entre dentes. O sussurro que deles não se desprende. Dá-me um copo de água. Acende-me um cigarro. Tenho os pulsos ensanguentados e o sexo dói-me de tanta dureza. Quero descansar-me. Numa palavra: respirar.









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Está quieta. Não passeies em mim as mãos dessa maneira. Nem a boca. Nem a boca na robustez com que a deixas cair tão lenta, tão sonora, tão cheia de vento. Devastas-me. Sinto-o pelas veias, pelas têmporas. Pela carne e pelo peso.
Vou apagar o cigarro, já não queima. Agora, só a tua língua que tem o amor com outra aderência. Sobe-me essa surda serpente, lava-me os movimentos. Eu não paro de sentir coisas dentro do meu ventre. Palavras que sopras? Um pássaro, o mais certo, que para ali o terás espantado. Fugiu-te da boca. Se conseguires, demora as mãos um pouco mais para perto. O seu coração bate. Lateja de tanto deslumbramento.
Não, não é o meu.
Meu é só o mar, a água ali dormente ou o que então assim reaprendo. Mas ferve. Não te apercebes? Vá, devagar abre-lhe o coração.









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Encosto a boca à profusão intacta das tuas coxas. É uma flor, uma nascente transparente, uma resina vibrante essa parte da intimidade e do sangue. Sinto a majestade perfeita e adorável da vegetação que por ali aflui. Está prodigiosamente acordada e silvestre, o odor em bulícios e daí procuro a carícia, papila a papila, como se quisesse o rosto um aqueduto que a transportasse, uma diafanidade ligeiríssima. Fluo. Nas músicas que tu dizes, nas súplicas. Que doçura tem a língua assim a tremer. Magra e limpa. Nunca é tarde para o dizer. Para entrar-te escreve a cintura, a voz que em si se esqueceu, a vara que é tão súbita e tão pura, o cume onde se deita e que para morrer escolheu. Deseja. Espada e flor. Viver e cantar.








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Anoitecemo-nos. A liberdade é tranquila se é nocturna. É como recolher o sono para o reinventariar. Não sei se disto já te falei. Olha, a casa está muda e mais alta, está pronta para o que havemos de ser. Eu um dardo. Tu subindo a mão para poli-lo, lenta a mente até o brilho endurecer. Meus são os dedos na flauta da imaginação, a palha a aquecer. O ferro para a mão. Depois volitemos furtivos para o duro chão. Eu procuro o céu na tua boca. Tu ordenhas o leite no meu ventre.








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Sinto o quão velha é a paciência, a sua imóvel finalidade. E parece quereres pedir-ma. Eu quase não aguento, de tanta explosão. Mesmo assim podemos ouvir-nos como doidos arfando. Giramos a flor por entre os dentes, a boca que sabemos não deve morrer. Observa: Eu quase urino dentro de ti e tu quase te matas de tão maravilhada.








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Não. Não há pão para a fome que o amor fabrica, não há perdão. Descansa, então. Primeiro as pernas para as levar à boca, a erva doce, a lã rugosa e húmida, o seu grão minúsculo. Depois a língua como um junco, os dedos miúdos. Aflore-se a música, não vá a tua fonte dormir, o sol para entrar até tarde, para o gosto não ruir, os olhos contra as pálpebras, o sangue inflamado.

Deixa rodar-me um dos pulsos, a mão que te irá queimar com algumas carícias, tocar o vidro da represa. Dispõe da luz com cuidado, não vá o corpo pelos ares. Depois, acende-te até à tontura do meu pavio e o paiol estará pronto para explodir. O paiol e tu.

És os materiais do amor. Repito. A forja que os coze. Por isso a febre quando os escrevo. Os dedos longos. O sangue. Os testículos. Nenhum de nós se equivocaria nesta certeza. Nenhum de nós. Não vamos, deste modo, morrer na pobreza lá fora, nos braços de quem quer que desistamos de ser gente, nas reformas dos empregos, no envelhecimento, na glória dos que querem o amor no esquecimento.

Vem. Deixa-nos viver. Há muitas coisas que se poderão dizer ainda, mas há muitas mais por fazer.

Nota final: Se aguentou pacientemente até ao fim, então deixe o seu comentário, para o bem e para o mal. As coisas boas repetem-se, as más evitam-se. A “gerência” agradece.