O CAPTAIN! MY CAPTAIN!




Ao longo dos últimos vinte anos, já vi e revi dezenas de vezes o extraordinário filme de Peter Weir, “Clube dos Poetas Mortos”.
Ainda assim, não há vez em que o volte a ver que não fique emocionado com uma das cenas finais, talvez a mais forte do filme. Exactamente a que trago também hoje a este post, no dia em que se assinala a data da morte de um dos maiores vultos da poesia norte-americana, Walt Whitman.




Deve ser difícil que alguém ainda não tenha visto sequer uma vez este extraordinário filme de 1989 (a sua estreia aconteceu precisamente há vinte anos). Seja por isso, ou para avivar memória, diga-se que “Clube dos Poetas Mortos” conta a história de um professor de literatura pouco ou nada ortodoxo, John Keating, numa escola para jovens, a Academia Welton, na qual predominam os valores tradicionais e conservadores. Valores, esses, que se traduziam em quatro grandes pilares: tradição, honra, disciplina e excelência.
Com o seu talento, Keating inspira os seus alunos a perseguir as suas paixões individuais e dessa forma a dar maior sentido às suas vidas.
O filme mostra também que a certa altura da vida, as pessoas, em especial os jovens, devem opor-se, contestar, gritar e sobretudo ser "livres-pensadores", e não deixar que alguém condicione a sua maneira de pensar, mas também ensina esses mesmos jovens a usarem o bom senso.
O “Clube dos Poetas Mortos” está repleto de citações de grandes nomes da literatura de língua inglesa, como Henry David Thoreau, Walt Whitman e Byron, e belas imagens metafóricas. O filme deixa ainda uma profunda mensagem de vida sintetizada na expressão latina Carpe Diem ("aproveita o dia"), cujo sentido é: aproveite, goze a vida, ela dura pouco, é muito breve.
No entanto, ainda que tentando seguir a máxima latina de Carpe Diem, uma tragédia acaba por se abater sobre todos eles. Metaforicamente, um dos personagens principais é constantemente impedido de fazer o que deseja da sua vida (representar numa peça de teatro ou escrever num jornal, por exemplo) devido aos projectos que o pai tem para ele.

(…) E mais não digo. Se ainda não viu o filme, é mais que tempo para o fazer. Se já viu, qualquer altura é boa para o rever.

Quero acima de tudo enaltecer, neste dia, Walt Whitman, que morreu em 26 de Março de 1892 (exactamente há 117 anos), um dos maiores poetas da América, um trovador ao serviço da democracia. Ninguém como ele até então enalteceu, com versos soberbos, o regime dos Estados Unidos da América, além de ter sido o pioneiro da emancipação da literatura norte-americana.
O desejo de Walt Whitman foi sempre o de cantar em verso livre o homem moderno, o “homem novo”, com uma voz alegre, livre de inibições, enérgica e optimista, humana e humanitária, em contacto íntimo com a natureza e com a grandiloquência da América. “Leaves of Grass“, porém, foi considerado à época escandaloso, o que levou os seus leitores europeus a considerar Whitman bom demais para os americanos. William Butler Yeats, Ezra Pound, Hart Crane, William Carlos Williams, Fernando Pessoa, admiraram-no, como o louvaram mais tarde Allen Ginsberg ou Pablo Neruda, o chileno que lhe prestou tributo como pai fundador da poesia continental.
Whitman foi dos primeiros a trazer para a poesia o não-poético, o vulgar, o profano, em verso livre tomado hoje pela crítica especializada como tendo inaugurado o género Épico-Subjectivo.Uma importante característica da personalidade de Walt Whitman menos vezes referida, é a importância que o americano deu em vida à caridade e ao altruísmo: em 1862, um ano após o início da Guerra Civil, seguiu para a frente de batalha para se encontrar com o irmão, George, que tinha sido ferido em combate, e o que era para ser uma rápida visita de algumas semanas, cedo se transformou numa estada de cerca de dois anos em Washington, trabalhando em part-time para o exército, servindo como enfermeiro voluntário em hospitais militares, administrando cuidados de penso aos feridos, angariando dinheiro para caridade, confortando os soldados, escrevendo-lhes cartas para enviarem aos familiares, trazendo-lhes flores, frutos, tabaco e lendo-lhes poesia para os confortar - embora se diga, nunca os seus próprios poemas.

Uns dias antes de ser assassinado, o Presidente Lincoln, que estava longe de ser o boémio fanfarrão que conta a “lenda popular”, contou ao seu secretário, John Hay, um estranho sonho. Na verdade, um pesadelo. Nele, viu várias pessoas a correr na direcção do Salão Leste da Casa Branca, onde foram encontrar o seu próprio corpo estendido e ouviu vozes a dizer: Lincoln está morto.
Mesmo nas vésperas do atentado, na noite de 13 de Abril de 1865, teve ainda outro sonho: Aparecia como o comandante de um navio que, no meio de uma tormenta, se aproximava do porto de destino, mas a sua sensação era de que não concluiria a viagem.

Não faço a mínima ideia de como o poeta Walt Whitman tomou conhecimento desse sonho, mas serviu de mote para que compusesse uma das mais belas elegias da língua inglesa moderna. O poeta coloca-se como integrante da tripulação de um barco que, depois de terríveis desafios - a dolorosa guerra civil entre o Norte e o Sul, de 1861 a 1865 - consegue finalmente aproximar-se do cais. Mas, justamente no momento da euforia, verifica que o capitão sucumbira repentinamente. Lá estava ele envolto em gotas de sangue vermelho: "Where on the deck my Captain lies / Fallen cold and dead." Por mais que tente reanimá-lo, não mais lhe responde. Não escuta mais a multidão que exulta lá fora. Ignora o toque dos clarins e os ramalhetes de flores, nem vê a bandeira içada em sua honra. Enquanto o povo ainda desconhece o ocorrido e comemora o fim da aventura, o poeta-marinheiro Whitman anda com tristeza pelo convés onde jaz o seu capitão, caído, frio e morto.

O Captain! My Captain!

O Captain! my Captain! our
fearful trip is done,
The ship has weather'd every
rack, the prize we sought is won,
The port is near, the bells I hear,
the people all exulting,
While follow eyes the steady keel,
the vessel grim and daring;
But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.
O Captain! my Captain! rise up
and hear the bells;
Rise up--for you the flag is flung--
for you the bugle trills,
For you bouquets and ribbon'd
wreaths--for you the shores a-
crowding,
For you they call, the swaying
mass, their eager faces turning;
Here Captain! dear father!
This arm beneath your head!
It is some dream that on the deck,
You've fallen cold and dead.
My Captain does not answer, his
lips are pale and still,
My father does not feel my arm,
he has no pulse nor will,
The ship is anchor'd safe and
sound, its voyage closed and done,
From fearful trip the victor ship
comes in with object won;
Exult O shores, and ring O bells!
But I with mournful tread,
Walk the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.