MIÚDO DA RUA




Quando você passa por determinados sítios e vê um miúdo da rua, já alguma vez lhe passou pela cabeça: e se fosse o meu filho? Quando, por exemplo, sentindo-se incomodado, você o olha e lhe ocorre chamá-lo de “piolhoso”, já por alguma vez perguntou a si próprio se gostaria que alguém chamasse assim dessa forma o seu filho? Claro que, a estas perguntas você dirá que o seu filho está bem protegido e cuidado na sua casa. Você nunca o deixaria deambulando por aí pelas ruas da vida. E tem razão. Porquê? Porque você é um pai consciente. E esse miúdo que passa, descuidado e sujo, não tem quem se interesse de verdade por ele.
Mas pense no seguinte: talvez ele esteja nas ruas, porque embora toda a violência que elas apresentam, mesmo assim ainda são melhores do que aquilo que ele conheceu um dia por lar ou família.
Você abraça e beija o seu filho todas as manhãs. Talvez esse miúdo não tenha recebido outros cumprimentos que não palavras rudes e gestos agressivos.
Também é possível que os pais o tenham largado à própria sorte, por ele ser rebelde. Ou um empecilho. Ainda assim, apesar de todas as mal criações do seu filho, as traquinices, as “bolinhas vermelhas” na escola, você não o põe fora de casa. Antes, insiste para que ele se adapte à disciplina e às normas que você estabelece como adequadas.
Esta é a grande diferença entre esse miúdo malcriado da rua e o seu filho: o investimento da ternura, a disciplina do amor.
À noite, antes de se deitar, você entra pelo quarto do seu filho e vai beijá-lo. Com carinho, ajeita-lhe o cobertor, tapando-o, para que ele não se constipe, nas noites mais frias.
Esse outro, filho das ruas, não tem sequer um cobertor. Muito menos quem o tape. O seu colchão é a relva dos jardins ou as pedras das calçadas. O único cobertor que recebe é da brisa que o envolve, à medida que a madrugada avança, fria e quieta.
Quando o seu filho faz das suas, você repreende-o e enquanto o fixa nos olhos, passa-lhe lições dos reais valores, dizendo com todas as letras o que você espera dele: que se transforme numa pessoa de bem, responsável e consciente dos seus deveres.
Esse outro, miúdo desleixado e solto, sente apenas os braços fortes de gente estranha que o detém, quando faz alguma asneira. E enquanto se debate, tentando libertar-se, apenas ouve palavras que recordam exactamente o que ele não gostaria de ser: vagabundo, desavergonhado, ladrão.
O seu filho tem todas as oportunidades para se tornar um cidadão honrado. Esse outro, possivelmente, irá transformar-se naquilo que a sociedade abominará, e para o qual existirá apenas a reclusão à espera. O curioso é que, só assim, ele próprio, se sentirá mais seguro.
A grande questão contudo é que se você não existisse, como pai consciente e responsável, talvez o seu filho pudesse, também ele, estar nas ruas, em idênticas condições. Se você não investisse todo o seu cuidado, ele poderia estar por aí a engrossar ainda mais o número desses que passam por si, todos os dias, enquanto você se desloca para o trabalho ou anda, pura e simplesmente, a passear pelas avenidas. Poderia ser o “puto” que nos semáforos tenta limpar o pára-brisas do seu carro, em troca de algumas moedas. Poderia ser aquele miúdo sem educação, que solta palavrões quando você não lhe oferece nada, e ele espera tanto.
Poderia ser o seu filho...
Pense nisso e faça alguma coisa. Colabore com as instituições que se esmeram em criar lares de acolhimento para essas crianças sem lar. Ofereça-se como voluntário para ensinar um desporto, uma actividade produtiva.
E, se você achar que não dispõe de recursos financeiros ou de tempo para colaborar, dê apenas o seu olhar de compreensão da próxima vez que se deparar com um desses miúdos, “piolhosos”, “snifadores” de cola, filhos de ninguém.
Deixe de olhar para ele como um inimigo. Ele apenas espera da vida o que todos esperam: alegria, amor, oportunidade.
Ah, se alguém o pudesse ajudar...