SEGREDOS




Segredos” – No final deste mês de Abril, nas livrarias.
Uma edição Fronteira do Caos.
Os interessados podem fazer já uma pré-reserva através do email:
fronteiradocaos@netcabo.pt
Em breve, aqui darei mais detalhes sobre o dia do lançamento deste meu terceiro livro.
Para já, aqui ficam dois pequenos excertos.





“Tu pensaste que era possível sair sempre impune. Não sabias que trair aqueles que de ti gostavam seria motivo da mais dura punição que se pode ter, a privação, a privação de contacto posterior. O castigo mais duro contudo é sempre atribuído aos outros, aos que são traídos. É um duplo sofrimento. Porque são eles que ainda por lá ficam sem explicação e sem remédio. Alguns nunca superam esses males e os fragmentos de vida que os atormenta são de facto mais dolorosos que os do causador de tal situação. Os teus não são mesmo nada maus. Tiveste sempre grande sorte. Mas não te estava reservado mais nada do que aquilo que tiveste. As coisas são como são, ainda te lembras? Um dia resolveste conduzir enquanto ias acabando com uma garrafa de uísque, bebias uma por dia depois de te separares da mulher com quem vivias, seguias a caminho de casa de outra que contigo queria estar, mas não sabias, estavas longe de imaginar que eu já estava a caminho para te capturar, para te dar descanso. Foi isso que aconteceu quando largaste a garrafa de uísque no banco do lado para atenderes o telefone que estava caído a teus pés. Eu estava ali mesmo, na curva seguinte, à tua espera. Já te lembras de mim nos teus sonhos?”
(João Pedro Martins in “Segredos”)

“Um pulo. O cigarro consumido pelo ar queimou-me os dedos. Acendo a luz e observo a cinza que embora tombada no chão parecia sólida. Em mim uma sensação esquisita da falta de noção do tempo. Parece até que passaram horas, mas não. Só a sensação de ter sonhado. Muito. Ter estado em tantos lados e com tanta gente. Ter vivido situações estranhas, irreais, incompreensíveis. Tudo num flash. Levantei-me sem perder muito tempo e quase corri em direcção ao quarto. Patrícia tinha que estar a dormir. Acendi as luzes mas não a vi. A cama nem sequer estava mexida. Impossível ter estado ali alguém naquela noite. A própria sala estava composta, tudo no devido lugar. Garantidamente por aqui ninguém passou nas últimas horas. Dirigi-me à casa-de-banho e deitei-me na banheira depois de abrir a torneira de água fria. Fechei o ralo e deixei que a água me chegasse até à altura do pescoço. Por vezes a vida oferece-nos maus momentos. Aquele era um. Já não consigo discernir o sonho da realidade. Poderei ainda estar a sonhar? Recordo-me da expressão fragmentos de memória mas não me lembro de onde ela surgiu. E se o meu sonho for maior que eu, que as minhas possibilidades, que as minhas forças? Ouço uma voz que me diz ao ouvido: “abraça-o mesmo assim”. E eu tento, fecho os olhos, e deixo-me escorregar até ficar completamente submerso pela água. Os sonhos, às vezes, são mesmo estúpidos. O último pensamento: acho que vou morrer.”
(João Pedro Martins in “Segredos”)