A SOBRINHA QUE HOJE NOS VISITA

É inevitável falar, hoje, de Selecção. Porque a Selecção, enquanto resistir como equipa de todos os portugueses, é, também, o único «nosso clube» que não nos merece a irracionalidade própria de todos os clubismos. Assim sendo, olhamos a Selecção com o desprendimento com que se olha a vida de uma sobrinha ausente. Claro que lhe queremos bem, mas não nos sentimos obcecados por acompanharmos a par e passo a sua vida.

Hoje, porém, a sobrinha ausente visita-nos. Escolheu, estranhamente, a Dinamarca para este encontro de duas entidades que se gostam sem demasiado brilho ou paixão.

Como sempre acontece, nestas situações, em que os encontros não acontecem, antes são marcados em agenda, como se fôssemos todos um género de directores gerais de empresas do mesmo ramo, haverá um período de reserva mental.

Não seria razoável abrirmos logo os braços sem conseguirmos consumir, antes, a admissível dúvida: em que se terá transformado esta fulana?

Nestas ocasiões, lembro-me sempre do que diria o Cândido de Oliveira, que apenas conheci pela memória viva do Vítor Santos e a memória intelectual de meu pai. Ele diria: quando se trata de Selecção Nacional devemos sempre partir com uma atitude de simpatia. Percebe-se o conceito. Se alguma coisa correr mal neste encontro de tio e sobrinha a culpa não será nossa, o que além de ser um alívio de consciência, será, sempre, uma conveniência. Se, um dia, a rapariga tropeçar na desgraça não nos sentiremos culpados.

Todos nós sabemos que não é impossível que a Selecção tropece na desgraça, mas nenhum de nós o deseja e, bem pelo contrário, agora que vem de visita, para mais jovem e de beleza indesmentível, achamos que merecemos vê-la feliz. Há uma diferença notável quando se trata de um clube, ou, seja, de um filho. Sabemos que se o filho, ou, melhor, o clube for feliz, nós também o seremos. Muito.

Não é assim com a sobrinha Selecção. Não precisamos de nos sentirmos felizes com a sua felicidade. Basta sentirmo-nos contentes, às vezes, até, orgulhosos das suas proezas, das suas competências, porque não, da sua luminosa beleza. Aí dizemos, em vaidade: sabem que ela é minha sobrinha?

Confesso que estou um bocado nervoso com a visita, mais logo, da minha sobrinha Selecção. Não sei bem o que me espera, ou seja, o que nos espera. Ouvi dizer que traz um sotaque brasileiro, que lhe pode dar mais vida e alegria, que está feita uma rapariga determinada para vencer as vicissitudes da vida e que todos nós poderemos, ainda, vir a ter muito orgulho nela. Oxalá que sim — sei bem que é o que todos desejamos. E, no entanto, há este ratinho a roer o estômago e a sussurrar-me: tem cuidado, não esperes de mais que podes ter uma desilusão. E eu, ou seja, nós, que de ilusões e desilusões andamos cheios nesta terra de desilusionistas fico-me pela ideia do mestre Cândido, sei que vou ter uma atitude de simpatia, quando a porta se abrir e ela entrar, mas já não prometo mais que isso. Depois será com ela. Ou me conquista, ou me desilude e, se assim for, confesso, voltarei a ser um tio ausente.

(por Vítor Serpa, jornal A BOLA)