NIGHT AND DAY

Isabel ia observando todos os passos e todos os gestos que aquele homem, de ar maduro, sábio, bem parecido, de enorme charme e seguro de si mesmo ia levando a cabo subtilmente em cada coisa que fazia. Sentia-se bem, se calhar pelo cansaço, pela hora tardia, pelos medicamentos, pela paz sentida na última semana, mas ainda assim, reconhecia no seu corpo uma ligeira aflição. Um certo nervoso miudinho. Uma ânsia talvez motivada pelo facto de estar, pela primeira vez em muito tempo, a sentir-se tão bem. Como uma perturbação causada pela incerteza do que lhe reservaria o futuro próximo. Sentia-se como se de repente tivesse voltado a ser outra vez uma miúda de dezasseis anos, que raramente está sozinha com o namorado, longe dos olhares do resto do mundo.
Estava, momentaneamente, tão absorta, que só voltou a dar conta de onde estava quando Carlos lhe dirigiu uma das mãos na sua direcção.
- Espero que goste da música. Vamos dançar?
Apesar de o volume não estar muito alto, apercebeu-se de imediato da voz de Frank Sinatra a entoar “Night And Day”. Sorriu, olhando directamente nos olhos de Carlos, e levantou-se, deixando-se arrastar pela emoção daquele momento. Adorava Sinatra. E, sim, apetecia-lhe dançar.
Dançaram. Lenta e suavemente. Os pés mal se moviam. As respirações mais sonoras de cada um, sobretudo de Isabel, eram engolidas por aquela doce e triste melodia que preenchia a totalidade daqueles poucos metros quadrados de sala.
Com uma atitude mais segura e confiante como se fosse a coisa mais natural do mundo, Carlos segurava com firmeza o seu par. A mão esquerda na mão direita da parceira e a outra completamente aberta na zona inferior das costas de Isabel, que se sentia extasiada.
Como se de um sopro se tratasse, Carlos roçou ligeiramente os seus lábios com muita leveza no pescoço de Isabel. De imediato, sentiu estremecer todo o corpo da mulher que embora não tivesse tido vontade de demonstrar o calafrio sentido não conseguiu evitar uma inspiração mais prolongada.

Excerto de CÉU NEGRO (Fronteira do Caos, 2008)