BRINCAR AOS MÉDICOS




Situação Real: o meu filho mais novo teve febre na madrugada de domingo para 2ª feira – 38º - nada de especial! Ainda assim, apesar de ter tomado o clássico “ben-u-ron” achou-se por bem ficar com ele em casa e não o levar para a escola – o que é lógico. Convém referir que o meu filho mais novo tem 6 anos e frequenta o 2º ano do ensino básico. No dia da “gazeta”, a coordenadora da escola telefona-me e surpreende-me com a pergunta:
- Porque faltou o seu filho?
Expliquei-lhe e ela surpreendeu-me ainda mais:
- Olhe, então é para lhe dizer que outros 10 meninos da turma dele se encontram exactamente na mesma situação, e por isso, nesta altura, estão retidos em casa.
ALARME! Quem não ficaria alarmado, nos dias que correm, perante o que me foi dito?
E mais me adiantou a coordenadora da escola no mesmo telefonema:
- Vai ter que esperar com ele em casa para ver como evolui a situação.
Interrompi-a. Eram 13 horas.
- Mas ele tomou o “ben-u-ron” às 4 da manhã e não voltou a fazer mais febre até ao momento.
- Ainda assim – disse-me – vai ter que aguardar 24 horas para ver se ele volta a fazer febre e só no caso de não voltar a ter febre é que pode trazê-lo de volta à escola. E, claro, terá que vir com um atestado a garantir que ele está em condições.
- Certo – respondi.
Na 3ª feira, o meu filho mais novo voltou a ficar por casa, apesar de não ter tido febre nas 24 horas anteriores, nem revelar qualquer indício de gripe, constipação ou outra coisa qualquer. Havia, no entanto, que ir com ele ao centro de saúde para pedir o tal atestado exigido pela coordenadora sob pena de no dia seguinte o meu filho mais novo ficar à porta da escola.
E no centro de saúde foram 3 as horas que preencheram toda a manhã de uma desconcertação geral. Os 2 médicos presentes de serviço recusavam-se a passar qualquer tipo de atestado a um miúdo para o efeito requerido. Diário da República para aqui, Despachos e Decretos para ali. Depois de alguma impaciência, categoricamente, ambos os médicos foram confrontados com a seguinte situação:
- Pois se não são obrigados a passar um atestado, tal como a escola exige, só porque não está escrito em lado nenhum, então quero uma declaração a dizer exactamente que não têm essa obrigação de passar um atestado com esses termos.
Foi o “Carmo e a Trindade”. Mais uma vez, Diário da República para aqui, Despachos e Decretos para ali, com o senhora prestável do “guichet” já metida no meio da confusão a telefonar para um responsável superior a contar o que se estava por ali a passar. No fim, e com indicações para isso, de quem quer que fosse que estava do outro lado da linha telefónica, o médico foi mesmo obrigado, ainda que contra a sua vontade, a passar o atestado de saúde, referente ao meu filho mais novo, tudo para que o miúdo pudesse regressar à escola no dia seguinte, provado que estava a não existência dos sintomas da doença que actualmente assusta meio mundo (médicos incluídos).

M.H.L.R., médico, portador da cédula profissional nº XXXXX da Ordem dos Médicos, atesta por sua honra profissional, para os devidos efeitos que S.M.M., não apresenta, na presente data, manifestações de doença infecto-contagiosa ou outras, impeditivas de frequentar escola/infantário, e tem a vacinação obrigatória actualizada.
Por ser verdade e lhe ter sido pedida, passa o presente atestado que data e assina.

YYYYYYY (assinatura reconhecida)


Por mais incrível que pareça, estas palavras foram escritas e assinadas por um médico responsável por dezenas de pessoas de todas as idades que recorrem a um centro de saúde sem sequer consultar o meu filho mais novo, que entretanto esteve 3 horas a brincar fora do centro de saúde, para não sair de lá verdadeiramente doente.
Agora, as questões que coloco são estas:
- Como é possível este desentendimento entre as exigências feitas pelo Ministério da Educação e as desobrigações ditadas pelo Ministério da Saúde?
- E como pode um médico “brincar” numa altura destas atestando “pela sua honra profissional” a saúde do meu filho mais novo, sem o ter sequer observado/consultado, apenas porque não achou necessário confiando unicamente na palavra dos pais?
Mas que brincadeira é esta com as vidas das pessoas?

EPÍLOGO e possível triste desfecho:

O meu filho mais novo regressou à escola. Bem de saúde, felizmente. Mas o médico teve-o 3 horas ao dispor e nem sequer o viu. Apenas acreditou no que lhe foi dito, e contrariado assinou um atestado de saúde. É a gente desta que estamos entregues para tratar da nossa saúde. E se o bem-estar do meu filho for apenas aparente?