PATRÍCIA

A minha relação com Patrícia teve um início peculiar, aliás, começou muito antes dela dar conta disso. Patrícia era a miúda mais bonita e cobiçada pelos rapazes da sua rua e arredores.
A primeira vez que me aproximei verdadeiramente dela remonta ao tempo em que namorava por correspondência com Maria Elisa e antes mesmo de conhecer a Helena. A situação transporta-me a uma matiné na discoteca mais famosa da cidade. Estava eu na companhia de Tiago quando arrancam os slows e decidi ali mesmo fazer uma aposta. O que estava em jogo era apenas uma cerveja, bebida cara para quem tem apenas dezassete anos. O risco era grande mas eu decidi arriscar. Teria que conseguir arrancar Patrícia que não me conhecia de lado nenhum para o meio da pista de dança. Também ela estava tanto quanto me apercebi apenas na companhia de uma amiga. Fui ao seu encontro e já bem perto cheguei a minha boca ao ouvido de Patrícia e sussurrei com o meu melhor tom de voz: “queres dançar?”
Segundos depois estava a caminho do bar para ir pagar a aposta ao Tiago.
Perdido mas não refeito. Meses. Talvez um ano ou dois depois, seguia eu na companhia do Tiago e do João pela rua quando nos cruzámos com a Patrícia, e logo ali não perdi a oportunidade de lhes transmitir em jeito de desafio sobretudo a mim próprio: “Aquela um dia…”. Eles nem comentaram.
Num dos meus passeios de mãos dadas com a Helena cruzei-me um dia com a Patrícia. Ora, um tipo numa situação daquelas fica um bocado embaraçado. Tentei olhar para todos os lugares ao mesmo tempo, o importante era passar despercebido a Patrícia. Pois não é que no exacto momento em que nos cruzávamos os três, e contra todas as minhas expectativas, Helena e Patrícia cumprimentam-se mutuamente como se já se conhecessem há algum tempo, e quando nos afastámos ainda tive que suportar o comentário da Helena: “A Patrícia é muito bonita”. Fiquei para morrer ao mesmo tempo que fingia não ter visto nem ter ouvido nada. “O quê? Quem? Desculpa, nem reparei…”
O tempo foi passando. Quis um dia o destino juntar-nos num mesmo almoço com gente amiga. E sem a Helena por perto. Daqueles almoços em que se come bem e bebe-se melhor ainda. E que duram quase até ao fim da tarde. Sempre fui mais atrevido com um grau de alcoolémia superior no sangue, e naquela tarde depois de já alguns anos a digerir aquela atracção resolvi soltar tudo o que tinha e não tinha de pouca vergonha. Numa das poucas oportunidades que tive para abordar Patrícia isoladamente, não fui de rodeios, transformei-me no verdadeiro Humfrey Bogard e dei-lhe um beijo como o próprio nunca deu na Ingrid Bergman. Ao que parece fui bem sucedido, por ventura devido ao excesso de álcool que também deveria correr nas veias de Patrícia naquele momento, mas a verdade é que consegui marcar um encontro naquele mesmo dia para depois da hora de jantar.
Depois daquela noite nada voltou a ser como dantes. A Helena foi de vez para a União Soviética, eu para a tropa, e cinco anos depois estava casado com a Patrícia. Nunca fui muito vaidoso, mas naquele fim de tarde, e apesar do álcool, uma frase voltou a ecoar dentro de mim: “Aquela um dia…”. Premonição? Talvez.


(Excerto do Livro SEGREDOS publicado em 2009 pela Fronteira do Caos Editores)