CÉU NEGRO*

Movimento
            Confusão
                    Descontrolo
                              Desordem
                                       Perturbação
                                                Agitação
                                                      Desassossego
                                                               Gritos na escuridão

No meio de toda aquela turbulência, a única coisa que Jorge Romão supunha, era o corpo a ser transportado, não sabe bem para onde. Não via e não sentia forças suficientes para conseguir levantar as pálpebras. Ou talvez não quisesse.
O que lhe passava pela cabeça era um emaranhado de imagens e emoções que não conseguia controlar e, para as quais, tão pouco, encontrar explicação. Ainda assim, algumas dessas coisas, eram verdadeiramente revigorantes. Não tentava sequer perceber, e mesmo que tentasse não conseguiria. Tudo o que se estava a passar não dependia de si. Era algo muito superior e que os seus sentidos não conseguiam dominar. Estava envolvido num intenso nevoeiro. Uma terrível obscuridade.
Sons, apenas sons, todos muito distantes…
Jorge Romão tinha a real sensação que, pela primeira vez na vida, estava a escutar o barulho do horror, vindo de diferentes lugares e várias direcções. Experimentava a horrível impressão de ouvir um constante chamamento. Conseguia ouvir gritos mudos a chamar por si. Sentia, não sabe ao certo como, que alguém estava à sua espera. Não o deixavam repousar. Até parecia que toda a vida lhe estava a escoar por entre os dedos. Conseguia ver o Mundo, inteiro, todo ao mesmo tempo. Várias perspectivas diferentes, todos os seus lados e os inúmeros ângulos. Tudo com a maior das facilidades. A confusão reinava. Tentava pôr as ideias no lugar. Apetecia-lhe gritar. Dizer bem alto: «Esperem aí! Nem sempre foi fácil. Nada, nem ninguém consegue mudar aquilo que penso. Vou mostrar muito mais...»
Ao mesmo tempo, uma sensação estranha de impotência. «Onde se esconderam todas as flores? Há tanto tempo que não as observo. Será que todas foram colhidas pelas raparigas bonitas que conheci na vida? E o amor?...»
A escuridão começou a toldar-lhe o espírito. Às vezes parecia que vislumbrava luzes. E anjos. Vindos não sabe de onde. «Será isto o paraíso de que tantas vezes ouvi falar?». Não obtinha respostas. Também não conseguia aproximar-se mais para tentar perceber. Para conseguir, ao certo, saber. Não conseguia correr. Nem dormir. Achava que estavam a olhá-lo. Olhos desconhecidos em cima dos seus. Silhuetas a roçar-lhe a face. «Mas que jogo perigoso este...», pensava, tentando que fosse com lucidez. De repente, pareceu ver ao longe o sol, ou alguma coisa que lhe fez lembrar a mais brilhante das estrelas. Achou que não iria aguentar, e que derreteria num ápice. Mas rapidamente o perdeu de vista. Primeiro, o sol. O fogo. Depois, algo semelhante a uma trovoada. Trovões. E relâmpagos. Um ar seco. Num deserto. Tudo numa sequência tão rápida, que parecia não conseguir ter tempo para respirar como deve ser. Queria também pedir um pôr-do-sol, o mar, e uma música apaixonante. Com sinos de preferência. «Era só o que me faltava». Sentiu uma necessidade tremenda de voar. Voar. Até ao fim do céu. Precisava de se distrair. Pular para longe dali. Abraçar um anjo naquele céu negro.
Ao longe, vislumbrou um arco-íris de néon. Jorge Romão ainda teve tempo para um último pensamento: «se chover é bom...».

*Excerto do início do livro CÉU NEGRO (Fronteira do Caos, 2008), inspirado na música do compositor brasileiro Chico César.