KAVÁFIS - ÍTACA

Tido como um dos mais importantes poetas de língua grega do século passado, Konstantinos Kaváfis (1863-1933) nasceu e faleceu em Alexandria (Egipto). Kaváfis, de acordo com os organizadores de sua obra, deixou "apenas" 154 poemas concluídos, entre eles, Ítaca, inserido logo abaixo, em tradução publicada recentemente por Ísis Borges da Fonseca.
Escrito em 1911, Ítaca pode ser visto como um poema que aborda, de forma delicada e tocante, as vicissitudes da jornada existencial, a "fenomenologia" do movimento humano de busca, a tensão que se estabelece entre o "aqui-agora" e as metas projectadas no futuro. Talvez caiba afirmar, ainda, que esse escrito de Kaváfis é um verdadeiro "refresco" para esse séc. XXI, marcado por pressões cada vez mais urgentes. Mas essas são, apenas, algumas possíveis interpretações de um poema que, por ser uma obra-prima, tem a capacidade caleidoscópica de produzir, continuamente, novos entendimentos, novas significações.


ÍTACA
Konstantinos Kaváfis

Quando partires em viagem para Ítaca
faz votos para que seja longo o caminho,
pleno de aventuras, pleno de conhecimentos.
Os Lestrigões e os Ciclopes,
o feroz Poseidon, não os temas,
tais seres em teu caminho jamais encontrarás,
se teu pensamento é elevado, se rara
emoção aflora teu espírito e teu corpo.
Os Lestrigões e os Ciclopes,
O irascível Poseidon, não os encontrarás,
Se não os levas em tua alma,
Se tua alma não os ergue diante de ti.

Faz votos de que seja longo o caminho.
Que numerosas sejam as manhãs estivais,
nas quais, com que prazer, com que alegria,
entrarás em portos vistos pela primeira vez;
pára em mercados fenícios
e adquire as belas mercadorias,
nácares e corais, âmbares e ébanos
e perfumes voluptuosos de toda espécie,
e a maior quantidade possível de voluptuosos perfumes;
vai a numerosas cidades egípcias,
aprende, aprende sem cessar dos instruídos.

Guarda sempre Ítaca em teu pensamento.
É teu destino aí chegar.
Mas não apresses absolutamente tua viagem.
É melhor que dure muitos anos
e que, já velho, ancores na ilha,
rico com tudo que ganhaste no caminho,
sem esperar que Ítaca te dê riqueza.
Ítaca deu-te a bela viagem.
Sem ela não te porias no caminho.
Nada mais tem a dar-te.

Embora a encontres pobre, Ítaca não te enganou.
Sábio assim te tornaste, com tanta experiência,
já deves ter compreendido o que significam as Ítacas.


1911
(Trad.: Ísis Borges da Fonseca)