FIXE, MUITO FIXE!...




Este “senhor” nunca me enganou. Por isso, e porque só agora tomei conhecimento de uma série de coisas, aqui fica para que mais gente saiba que estirpe de “canalhas” nos tem governado. Talvez se perceba melhor como chegámos ao estado em que nos encontramos.

*Mário  Soares*
Outra  faceta que distingue a última candidatura de Mário Soares a Belém das  anteriores, surge após a edição de “Contos Proibidos - Memórias de um PS  desconhecido”, do  seu ex-companheiro de partido Rui Mateus.
O livro, que noutra democracia europeia daria  escândalo e inquérito judicial veio a público nos  últimos meses do segundo mandato presidencial de Soares e foi ignorado pelos  poderes da República.


Em  síntese, que diz Mateus?
Que,  após ganhar as primeiras presidenciais, 1986, Soares fundou com alguns  amigos políticos um  grupo empresarial destinado a usar os fundos financeiros remanescentes da campanha. Que a esse grupo competia canalizar apoios monetários antes dirigidos ao PS,   tanto  mais que Soares detestava quem lhe sucedeu no partido, Vítor Constâncio  (um anti-soarista), e procurava uma dócil alternativa a essa liderança.
Que um dos objectivos da recolha de dinheiros era  para financiar a reeleição de Soares. Que,  não podendo presidir ao grupo por razões óbvias, Soares colocou os amigos  como testas-de-ferro, embora  reunisse amiúde com eles para orientar a estratégia das empresas,   tanto  em Belém como nas suas residências particulares. Que,  no exercício do seu "magistério de influência" (palavras suas noutro contexto), convocou  alguns magnatas internacionais - Rupert Murdoch, Sílvio Berlusconi, Robert  Maxwell e  Stanley Ho - para o visitarem na Presidência da República e se associarem  ao grupo, a  troco de avultadas quantias que pagariam para facilitação dos seus  investimentos em Portugal. Note-se  que o "Presidente de todos os portugueses" não convidou os empresários a investir na  economia nacional, mas apenas no seu grupo, apesar dos contribuintes  suportarem despesas de estada. Que  moral tem um país para criticar Avelino Ferreira Torres, Isaltino Morais, Valentim  Loureiro ou Fátima Felgueiras se acha normal uma  candidatura presidencial manchada por estas revelações? E  que foi feito dos negócios do Presidente Soares? Pela  relevância do tema, ficará para próximo desenvolvimento.


*Parte 2*
publicado a 10 de Setembro de 2005, na Grande Reportagem nº 244.

A rede de  negócios que Soares dirigiu enquanto Presidente foi sedeada na empresa Emaudio, agrupando  um núcleo de próximos seus, dos quais António Almeida Santos eterna ponte entre política e vida económica, Carlos Melancia seu ex-ministro, e o próprio  filho, João. A  figura central era Rui Mateus, que detinha 60 mil acções da Fundação de  Relações Internacionais (subtraída por Soares à influência do PS após abandonar a sua liderança), as quais eram do Presidente mas de que fizera o outro fiel depositário na  sua permanência em Belém, relata Mateus em “Contos Proibidos”. Soares  controlaria assim a Emaudio pelo seu principal testa-de-ferro no grupo empresarial. Diz  Mateus que o Presidente queria investir nos média: daí o convite inicial para Sílvio Berlusconi (o grande senhor da TV italiana, mas ainda longe de conquistar o governo) visitar Belém.
Acordou-se a sua entrada com 40% numa empresa em que  o grupo de Soares reteria o resto, mas  tudo se gorou por divergências no investimento. Soares tentou então a sorte com Rupert Murdoch, que chegou a Lisboa munido de um memorando interno sobre a associação a "amigos íntimos e apoiantes do Presidente Soares", com  vista a "garantir o controlo de interesses nos média favoráveis ao Presidente Soares e, assumimos, apoiar a sua reeleição". Interpôs-se porém outro magnata, Robert Maxwell,  arqui-rival de Murdoch, que  invocou em Belém credenciais socialistas. Soares daria ordem para se fazer  o negócio com este. O empresário inglês passou a enviar à Emaudio 30 mil euros mensais. Apesar  de os projectos tardarem, a equipa de Soares garantira o seu “mensalão”. Só  há quatro anos foi criminalizado o tráfico de influências em Portugal,  com  a adesão à Convenção Penal Europeia contra a Corrupção. Mas a ética política é um valor permanente, e as suas violações não prescrevem. Daí a actualidade destes factos, com a recandidatura de  Soares. O  então Presidente ficaria aliás nervoso com a entrada em cena das autoridades judiciais, episódio a merecer análise própria.


*Parte  3*
publicado  a 17 de Setembro de 2005, na Grande Reportagem nº 245.

A empresa  Emaudio, dirigida na sombra pelo Presidente Soares, arrancou pouco após a  sua eleição e,  segundo Rui Mateus em “Contos Proibidos”, contava “com muitas dezenas de  milhares de contos oferecidos”  por (Robert) Maxwell (...) consideráveis valores oriundos do "ex-MASP" e uma importante contribuição de  uma empresa próxima de Almeida Santos." Ao nomear governador de Macau um homem da Emaudio, Carlos Melancia, Soares permite juntar no território administração pública e negócios privados. Acena-se  a Maxwell a entrega da estação pública de TV local, com  a promessa de fabulosas receitas publicitárias. Mas, face a dificuldades  técnicas, o  inglês, tido por Mateus como “um dos grandes vigaristas internacionais”, recua. O esquema vem a público, e Soares acusa os gestores da Emaudio de lhe causarem perda de popularidade, anuncia-lhes  alterações ao projecto e exige a Mateus as acções de que é depositário e permitem controlar a empresa. O testa-de-ferro, fiel soarista, será cilindrado - tal como há semanas  sucedeu noutro contexto a  Manuel Alegre.
Mas antes resiste, recusando devolver as acções e esperando a reformulação do negócio. E, quando uma empresa reclama por não ter  contrapartida dos 50 mil contos (250 mil euros) pagos  para  obter um contrato na construção do novo aeroporto de Macau, Mateus  propõe o envio do fax a Melancia exigindo a devolução da verba. O Governador cala-se. Almeida Santos leva a mensagem a Soares, que também se cala. Então Mateus dá o documento a
“O Independente”, daqui nascendo o escândalo do fax  de Macau. Em  plena visita de Estado a Marrocos, ao saber que o Ministério Público está a revistar a sede da Emaudio, o  Presidente envia de urgência a Lisboa Almeida Santos (membro da sua  comitiva) para  minimizar os estragos. Mas o processo é inevitável. Se Melancia acaba absolvido, Mateus e colegas são condenados como corruptores. Uma das revelações mais curiosas do seu livro é que o suborno (sob o eufemismo de “dádiva pública") não  se destinou de facto a Melancia mas “à Emaudio ou a quem o Presidente da  República decidisse”. Quem afinal devia ser réu?  Os factos nem parecem muito difíceis de confirmar, ou  desmentir, e no entanto é mais fácil, mais  confortável, ignorá-los, não se confia na justiça ou porque não se  acredita que funcione em tempo útil, ou por que se tem medo que funcione, em vida, e as dúvidas, os boatos, os rumores, a “fama” persistem. E é assim, passo a passo, que lentamente se vai destruindo de vez a confiança dos portugueses nas instituições. Por incúria, por medo, por desleixo, até por arrogância, porventura de fantasmas e até... da própria sombra.
N.A.: Como adenda, e perdoem-me o sarcasmo que é preciso pôr as coisas no seu devido lugar, talvez conviesse meditar no generoso silêncio dedicado ao conteúdo destes artigos  de Vieira, e ao  livro de Mateus, por parte de alguns dos e(ste)ticistas do regime quando comparado com a, também ela generosa, campanha em curso contra alguns  “antros” anónimos  de pensamento livre e desalinhado...  Ou,  será que as coisas já evoluíram tanto, tanto, que agora só existem depois  de serem tratadas em blog? É que a Grande Reportagem tem uma tiragem superior a 100000 exemplares, nós  ainda não...
Entretanto, por essas e por outras, do Brasil até  gozam...
Como adenda suplementar convém frisar que o problema não é novo, ou sequer isolado, antes  é estrutural e crónico. Atente-se na GALP e nas maravilhas que por lá se passa(ra)m. No mínimo, os factos – “estranhos” - mereceriam uma investigação apurada,   judicial  e jornalística, no entanto...



*O Polvo, Parte 4*
publicado  a 24 de Setembro de 2005, na Grande Reportagem nº 246.
Por  Joaquim Vieira.

Ao investigar o caso de corrupção na base do “fax de  Macau”, o Ministério Público entreviu a dimensão da rede dos negócios então dirigidos pelo Presidente Soares  desde Belém. A investigação foi encabeçada por António Rodrigues Maximiano, Procurador-geral adjunto da República, que  a dada altura se confrontou com a eventualidade de inquirir o próprio Soares. Questão demasiado sensível, que Maximiano colocou ao  então Procurador-geral da República, Narciso  da Cunha Rodrigues. Dar esse passo era abrir a Caixa de Pandora, implicando uma investigação ao financiamento dos partidos políticos, não só do PS mas também do PSD - há quase uma década repartindo os governos  entre si. A  previsão era catastrófica: operação “mãos limpas” à italiana, colapso do  regime, república dos Juízes.
Cunha Rodrigues, envolvido em conciliábulos com Soares em  Belém, optou  pela versão mínima: deixar de fora o Presidente e limitar o caso a apurar  se o governador de Macau, Carlos  Melancia, recebera um suborno de 250 mil euros.
Entretanto, já Robert Maxwel abandonara a parceria  com o grupo empresarial de Soares, explicando  a decisão em carta ao próprio Presidente. Mas  logo a seguir surge Stanley Ho a querer associar-se ao grupo soarista, intenção que segundo relata Rui Mateus em
“Contos Proibidos”, o magnata dos casinos  de Macau lhe comunica “após consulta ao Presidente da República”, que ele sintomaticamente apelida de boss. Só que Mateus cai em desgraça, e Ho negociará o seu apoio com o próprio Soares, durante uma “presidência aberta” que este efectua na Guarda. Acrescenta  Mateus no livro que o grupo de Soares queria ligar-se a Ho e à Interfina (uma empresa portuguesa arregimentada por Almeida Santos) no gigantesco  projecto de assoreamento e desenvolvimento urbanístico da baía da Praia Grande, em Macau, lançado ainda por Melancia, e onde estavam previstos lucros de milhões de  contos".
Com estas operações, esclarece ainda Mateus, o Presidente fortalecia uma nova instituição: a  Fundação Mário Soares. Inverosímil? Nada foi desmentido pelos envolvidos, nem nunca será.


*O Polvo, Parte 5, conclusão*
publicado  a 1 de Outubro de 2005, na Grande Reportagem nº 247.
Por Joaquim  Vieira.

As revelações de Rui Mateus sobre os negócios do Presidente Soares, em “Contos Proibidos”, tiveram  impacto político nulo e nenhuns efeitos. Em  vez de investigar práticas porventura ilícitas de um Chefe de Estado, os jornalistas preferiram  crucificar o autor pela “traição” a Soares (uma  tese académica elaborada por Estrela Serrano, ex-assessora de imprensa em  Belém, revelou as estratégias de sedução do Presidente sobre uma comunicação social que  sempre o tratou com indulgência.).
Da parte dos soaristas, imperou a lei do silêncio:  comentar o tema era dar o flanco a  uma fragilidade imprevisível. Quando o livro saiu, a RTP procurou um dos  visados para um frente-a-frente com Mateus - todos recusaram. A  omertá mantém-se: o desejo dos apoiantes de Soares é varrer para debaixo  do tapete esta  história (i) moral da III República, e o próprio, se interrogado sobre o  assunto, dirá  que não fala sobre minudências, mas sobre os grandes problemas da Nação. Com a questão esquecida, Soares terminou em glória  uma histórica carreira política, mas  o anúncio da sua recandidatura veio acordar velhos fantasmas. O mandatário, Vasco Vieira de Almeida, foi o autor do acordo entre a Emaudio  e Robert Maxwell. Na cerimónia do Altis, viram-se figuras centrais dos negócios soaristas, como Almeida Santos ou Ilídio Pinho, que o Presidente fizera aliar a Maxwell. Dos  notáveis próximos da candidatura do "pai da pátria", estiveram também homens da administração de Macau sob a tutela de Soares, como António Vitorino e Jorge Coelho, actuais  eminências pardas do PS, ou  Carlos Monjardino, conselheiro para a gestão dos fundos soaristas e presidente  de uma fundação formada com os dinheiros de Stanley Ho. Outros  “ex-macaenses” influentes são: Alberto Costa, que, como director do Gabinete da Justiça do território, interveio para minorar os estragos entre  o soarismo e a Emaudio, ou o presidente da CGD por nomeação de Sócrates, que o Governador Melancia pôs à frente das obras do aeroporto de  Macau. Será  o Polvo apenas uma teoria de conspiração?
E depois, Macau, sempre Macau...


Joaquim Vieira, director da “Grande Reportagem”, detida pelo grupo Controlinveste, foi despedido.
O jornalista foi igualmente informado de que a  revista seria fechada.