O MAR PARA QUEM NUNCA O VIU

O meu 4º livro de ficção "A Promessa" tem dois meses de mercado. Nesta altura, posso dizer, os resultados estão a ser para mim, e para a editora, muito satisfatórios. Por isso, a todos os que já o leram, eu quero agradecer com franca sinceridade. O feedback recebido tem sido muito positivo, e isso ajuda, claro, a seguir em frente.
Neste blog apeteceu-me hoje partilhar palavras que estão escritas nesse romance de uma passagem que, lembro bem, não foi nada fácil - tentar arranjar frases para "explicar o mar" a quem nunca o tinha visto. Esta é, portanto, parte de uma conversa entre os dois principais protagonistas da "estória":



- Fala-me do mar – pediu-me o Tóino, numa das vezes, quando já não aguentava mais de tanto rir. – Como é o mar que tu viste em Espanha?
Dizer a quem nunca viu o mar que ele é igual em todo o lado, não era para aquela pergunta a resposta mais adequada. Naquele exacto momento, apanhado completamente desprevenido, nem eu sabia bem o que dizer. Olhando no fundo dos seus olhos, senti que ele esperava que da minha boca saísse algo que acabasse com a sua dúvida. Aquele instante entristeceu-me. Queria dizer-lhe tanto, e ao mesmo tempo senti que não sabia bem como explicar-lhe. Apesar da minha idade, de uma coisa eu já tinha a certeza, o mar é uma fantasia enorme para quem tanto ou tão pouco dele ouve falar e nunca o conseguiu ver vez nenhuma. As pessoas são capazes de sonhar com o mar ainda que nunca o tenham visto. Aquilo que o Tóino pretendia era que o fizesse sentir o mar. E era exactamente isso que eu não sabia se conseguiria. Tratei de me pôr no lugar dele, pensei no que gostaria que me dissessem se tivesse sido eu a fazer aquela pergunta. Fui devagarinho desfiando as ideias que me ocorriam e as imagens que me vinham à cabeça naquele instante.
- O mar é das coisas mais belas do mundo. Quando estamos junto dele e o olhamos parece que não tem fim, que nunca mais acaba. Ao longe, bem ao longe, quase se confunde com o céu. É como se a nossa vista no ponto limite do alcance o visse dobrar-se sobre si mesmo e passar no retorno bem por cima de nós em tons mais claros. Ver as ondas é uma delícia. A mim, acalma-me, faz-me sentir muito bem, adoro estar horas e horas sentado na areia, descalço à beira do mar, a vê-las e a escutá-las. As ondas que nos molham os pés são como a vida, vão e vêm, calmas ou violentas e rebentam na areia que no fundo não é mais que o nosso próprio mundo sempre à espera de um abanão. A água do mar da praia de Bajondillo, que eu conheci em Torremolinos, tem um tom bonito azul claro e é muito límpida. A areia por lá é muito fina mas é um pouco escura. Gostei de ter passado muitos momentos só a olhar para o mar enquanto lá estive.
Enquanto eu dizia isto o Tóino ia soltando um olhar perdido na direcção do céu. Talvez assim o conseguisse imaginar melhor, era o que eu pensava. A certa altura, como se estivesse de regresso “à terra”, virou-se de frente para mim e deixou sair num tom de voz quase sumido:
- Levas-me a ver o mar?
Fiz uma curta pausa para respirar fundo antes de lhe dizer:
- Um dia levo-te, Tóino. Um dia.