A COR DA CHUVA



O meu nome é Simão e tenho seis anos.
Vivo no décimo segundo andar de um prédio muito alto num bairro de uma grande cidade.
O meu quarto é o meu mundo e da janela vejo nitidamente tudo o que se passa nas ruas mais próximas. Ao longe, quando não há neblina, também consigo observar o rio e os montes que se situam na outra margem.
Nos dias mais cinzentos quase consigo tocar nas nuvens, quando elas balançam ao sabor do vento.
Gosto muito de passar as tardes de chuva à janela na companhia do Pipas.
A cor da chuva parece que é azul. Mas não é.
A cor da chuva não se vê. Mas eu consigo sentir que ela tem cor de verdade. Se me cair um pingo na mão, eu consigo ver a sua cor com o meu coração. O coração é que sente as coisas.
O meu coração é parecido com uma borboleta, igual àquelas que eu vejo no jardim quando saio nos dias de sol para passear o Pipas.
Mas o que eu gosto mesmo é de brincar na minha rua nos dias de Inverno, quando chove. Quando cai água do céu, das nuvens.
Eu agasalho-me para não ficar constipado. Coloco um gorro na cabeça, luvas nas mãos e visto um casaco bem quente. Por fim, calço umas botas e corro para as maiores poças de água que encontro pelo caminho.
Certo dia, bem perto do Natal, fui na companhia do pai e da mãe passear o Pipas, o nosso bulldog.
O cão gosta de correr atrás de mim saltitando pelas poças de água deixadas pela chuva no meio da rua.
De vez em quando o meu pai gritava com a sua forte voz para eu ter cuidado com os carros, enquanto a minha mãe de forma mais delicada alertava-me para olhar bem para ambos os lados antes de desatar a correr em direcção à água.
Naquele dia, seguíamos todos tão distraídos que nem ouvimos o carro a aproximar-se.
E, no exacto momento em que ele estava já muito perto de nós, o Pipas decidiu puxar por mim, que o segurava pela trela, para me levar ao encontro de uma bela poça com muita água.
De repente estalou um forte trovão mesmo por cima das nossas cabeças, que nos pregou um valente susto e fez com que o Pipas parasse de repente, mesmo a escassos metros do acelerado carro que se cruzou naquele instante no nosso caminho.
Começou a chover fortemente, e embora tivéssemos ficado todos encharcados, os meus pais respiraram de alívio.
O Pipas ficou uns minutos sem se mexer, tal o susto que apanhou.
Quando finalmente recuperámos o fôlego, demos meia-volta, e regressámos a casa.
Pelo caminho, e sem guarda-chuva, porque nada fazia prever que o céu ia dar estalos, eu, os meus pais, e o Pipas, seguimos em passo de corrida, ao mesmo tempo que íamos dando altas e fortes risadas, que quase de certeza ecoavam por toda a cidade.
Aquela forte chuvada, eu agora tinha a certeza, era mesmo colorida. Tinha até cores que eu não sabia que existiam. Até àquele dia.
O trovão que antes me deixava aterrorizado e com tanto medo salvou-me, a mim e ao Pipas.
A partir dali, aquele estrondo, que parecia fazer estremecer tudo, passou a ser para mim, e para o Pipas, sinal de que estava para chegar apenas uma forte chuvada, que nos fazia correr para perto da janela do quarto à espera de a ver cair com todo o seu esplendor, reflectindo as cores de tudo quanto nos rodeava.
O meu nome é Simão, tenho seis anos e sou feliz, porque sei que a chuva tem cor. A cor que o meu coração me faz ver.


FIM


João Pedro Martins (D.R.)