CENSURA POSITIVA



Poderíamos considerar legítimo num regime democrático a existência da censura como forma de estabilização da coesão social? Algo a que ousarei apelidar de “Censura Positiva”?!
Os mais puristas, obviamente, responder-me-ão de imediato e sem pestanejar: Não. Censura é censura, e ela não se poderá medir pelas ocorrências menos boas que a sua ausência possa revelar.
Trago isto, hoje, a propósito de mais uma triste cena que chegou ao nosso conhecimento ocorrida em mais uma sala de aula, onde, por aquilo que foi noticiado, uma aluna terá agredido a sua professora.
O motivo deste caso em concreto que terá originado a agressão é desconhecido, mas também isso é o que menos importa. O que merece reflexão da nossa parte, isso sim, é o acto de violência só por si, e o protagonismo nele de uma jovem com apenas treze anos. É sobre esta matéria específica que pais e educadores, em comunhão com o Estado, têm de se empenhar, na tentativa de perceber o que poderá estar na origem deste fenómeno, que de tão recorrente, pode tornar-se vulgarizado, e qualquer dia já nem fazer notícia. E aí sim, será tarde para recuperar o que quer que se tenha perdido devido à inércia e ao “deixa andar”. Porque a democracia é assim mesmo, e em democracia não se pode limitar nenhuma forma de liberdade de expressão, independentemente se aquilo que às pessoas é dado, as leve a cometer irregularidades ou infracções, decorrentes do fenómeno da repetição dos actos primeiramente cometidos pelos ídolos que entram lar adentro através das séries televisivas evasivas que lhes vão preenchendo as vidas às vezes vazias do diálogo em suas próprias casas.
É de facto alarmante a dificuldade que existe nestes nossos dias para segurar e travar os ímpetos dos jovens numa sala de aulas. É, direi mesmo, para os professores, uma tarefa ingrata. Pois, se eles, os jovens, observam diariamente, e consomem como verdadeiro, o que fazem os outros da mesma idade numa série como os “Morangos com Açúcar”, é de crer que os professores fiquem de pés e mãos atados, sem meios para pôr fim a determinados excessos que os miúdos acham que não estão a cometer. Pois, se a televisão mostra uma sala de aula cheia de bagunça, e ao mesmo tempo divertida, aquilo passa a ser assim mesmo. É assimilado como sendo um real e normal ambiente de uma aula.
Mas, então, que há a fazer?
Criar limites. É o que temos que fazer. Conversar com os nossos filhos e não permitir que eles assistam a tudo o que a televisão lhes mostra. É claro que isso não é tarefa simples para os pais que na maior parte das vezes não estão em casa quando os filhos chegam da escola. E, se estão, até os deixam ficar a ver o que eles querem para poderem fazer alguma coisa em casa, como o jantar, ou dar banho aos mais novos. Toda a gente reconhece esta verdade indesmentível. Mas, também é verdade, é que no estado em que nos encontramos, a tendência para que aconteçam mais casos como os que temos ouvido, é para aumentar.
Por exemplo, sabiam que uma situação idêntica à ocorrida no Carolina Micaelis, da aluna com o telemóvel, já tinha acontecido antes num episódio dos “Morangos com Açúcar”?
Ah, pois é! O problema reside nesse tipo de situações. Se a televisão mostra numa série que os jovens idolatram miúdos da mesma idade a entrar nas salas de aula com os telemóveis ligados, vão achar que podem fazer exactamente o mesmo na escola deles. E não há forma de combater este tipo de situações a não ser, por exemplo, com a limitação de conteúdos e situações que poderão levá-los à imitação.
É claro que isso iria arranjar problemas enormes, do “arco da velha”, direi mesmo, com os amigos da ilimitada liberdade de expressão.
Contudo, tenho para mim, e sendo fervoroso adepto da liberdade de expressão (quem me conhece sabe bem!), que a mesma não pode permitir a desordem e a quebra das regras de uma sociedade onde as pessoas são, isso sim, obrigadas a conviver respeitando os seus semelhantes. Um regime livre também tem que ter as suas prioridades. E a primeira de todas elas tem de ser inevitavelmente a educação.
E é aqui que, na minha opinião, entra a “Censura Positiva”.
E se não se pode evitar que as televisões transmitam as suas “viroses” alegando “síndroma de imunidade” por via da liberdade de expressão vigente num regime democrático e livre…e se do Estado pouco ou nada a este respeito se pode esperar, porque o medo de que os “media” contra eles se virem e lhes tirem votos é superior ao bem-estar social, então, compete-nos a nós, pais e educadores, fazer uso da “Censura Positiva”. O problema é: como?
Sejamos honestos, e não se pense logo nas respostas mais rápidas e fáceis. Mas, para que precisa um adolescente de treze anos, ou doze, onze, dez, ou até de nove, de um telemóvel? Quantos telefonemas importantes faz ele num mês, ou num ano, que não possa recorrer para isso ao PBX da própria escola ou até, se estiver em casa, ao telefone de um dos pais?
O governo do “choque tecnológico” anda a meter computadores nas mãos de crianças, com apenas seis anos. Para quê? Para favorecer a aprendizagem e a evolução do País enquanto Estado moderno? Não. Apenas para os miúdos passarem mais horas isolados agarrados aos jogos que o “Magalhães” oferece. Daqui a uns anos exige-se a Internet em todos eles. Para quê? Para eles poderem recorrer ao HI5 e ao Messenger sem que os pais se apercebam rigorosamente de nada. Alguém tem dúvidas que um filho hoje com seis anos e com computador dará, daqui a três ou quatro, lições de informática a um pai que teve o seu primeiro computador apenas aos trinta?
Não teria sido preferível o investimento em mais postos de Internet para benefício do sistema de ensino, nas próprias escolas? Ou nos gabinetes criados pelas autarquias, sempre visionados e protegidos por responsáveis de forma a limitar o abuso das situações que pudessem supostamente decorrer do seu uso?
Não bastaria numa mesma casa a existência de um único computador onde pais e filhos fossem obrigados a partilhar de acordo com as necessidades reais relacionadas com o trabalho a desenvolver por cada um dos elementos da família?
Claro que não!...Que isso dá muito trabalho aos pais. Essa regulação. Essa perda de tempo que seria explicar aos filhos que o computador é, acima de tudo, uma ferramenta de trabalho, tal como deveria ser o telemóvel, e de lazer, só às vezes, quando não existe mesmo possibilidade para ir até lá fora à rua dar uns pontapés na bola, ou uma volta pela areia da praia, ou até ao cinema ver um filme em família…
Os governantes, esses, são os primeiros a demarcar-se dessa possibilidade de reconciliação passível de ser obtida através do diálogo, porque eles…eles são os mais ocupados, e não têm tempo para conversas com os próprios filhos. E nem pachorra para lhes explicar que precisam naquele momento do portátil para trabalhar. Repartir dá uma carga de trabalhos. Aprender e ensinar a repartir ainda mais. Então, o melhor mesmo é atribuir um a cada. E já está resolvida a questão para filhos e pais.
É quase ridículo dizer isto: hoje, a sociedade permite-nos ter quase tudo, três televisões em casa, telemóveis com câmara fotográfica e portáteis com banda larga para toda a família, jogos, filmes e cd’s, que na maior parte das vezes vamos acumulando nas prateleiras, e que nem temos tempo para jogar, ver e ouvir…mas, pior que isso, é que também não vamos tendo tempo para o mais importante – dialogar, escutar, observar, sentir, partilhar. Porquê? Porque fomos demasiado formatados para achar que até a “Censura Positiva” é qualquer coisa que é abominável, apenas tão-somente pela palavra que ela transporta. Verdadeiramente, e embora não o queiramos assumir, somos é uns grandes preguiçosos. Essa é que é essa!